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Tribunais consolidam posição pela extraconcursalidade da CPR representativa de barter.

Após a promulgação das “Leis do Agro” (Leis 13.986/2020 e 14.421/2022), os Tribunais enfrentam agora as discussões sobre a extraconcursalidade da CPR representativa de operação barter.

 

No mês de março deste ano, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (“TJGO”) reconheceu a extraconcursalidade de crédito de mais de 7 milhões de reais decorrente de Cédula de Produto Rural (“CPR”) representativa de operação barter e determinou sua exclusão da recuperação judicial requerida por produtor rural[1].

 

No caso em questão, após emissão de CPR Física e recebimento dos insumos objeto do barter, o produtor rural inadimpliu sua obrigação de entrega de 30 mil sacas de soja e, logo após o inadimplemento, distribuiu seu pedido de recuperação judicial perante a vara cível da comarca de Buriti Alegre / GO. Contudo, o produtor rural incluiu a credora na relação de credores que instruiu o pedido de recuperação, situação confirmada pelo administrador judicial nomeado do caso.

 

Depois de ter sua Impugnação de Crédito julgada improcedente, recorreu ao TJGO e a tutela recursal foi parcialmente deferida, tendo sido registrada na decisão a probabilidade de direito, caracterizada pela exclusão dos créditos e garantias cedulares vinculados à CPR aos efeitos da recuperação judicial, tal como previsto na Lei 8.929/1994. Foi ponderado, ainda, que, em razão da extraconcursalidade do crédito, o deferimento do pedido de recuperação judicial pelo produtor rural não afeta a tramitação da Ação de Execução e que, não obstante a ausência de impedimento de sua tramitação, deve ser reconhecida a força coercitiva mitigada do processo executivo, cujos atos constritivos deverão ser submetidos ao crivo prévio do juízo da recuperação.

 

O recurso foi julgado em 4/3/2024, com seu  provimento para reformar a sentença proferida na Impugnação de Crédito, declarando-se a extraconcursalidade do crédito proveniente da CPR representativa de operação barter, emitida e inadimplida pelo produtor rural. Nos fundamentos, foi destacada a previsão do art. 11, da Lei 8.929/1994, no sentido de que os créditos provenientes de operações barter são considerados extraconcursais e, portanto, excluídos da recuperação judicial.

 

Recentemente, a matéria também foi objeto de julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça, no qual, sob a relatoria do Ministro Raul Araújo, da 2ª Seção, foi mantida a aplicação do art. 11, da Lei 8.929/1994, afastando a concursalidade do crédito decorrente CPR Física representativa de operação barter. Na oportunidade, ainda foi consignado que os grãos não são considerados bens de capital essenciais à atividade do produtor rural, consolidando o precedente de n.º 202.928[2], que foi julgado pelo Superior Tribunal de Justiça em 27/02/2024, e representou um verdadeiro avanço para a segurança jurídica dos financiadores do agronegócio.

 

De igual forma, em 29/4/2024, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso prolatou acordão[3] julgando matéria idêntica e, tal como recentemente julgado pelo Tribunal Goiano, a CPR representativa de operação barter foi excluída dos efeitos da recuperação judicial de produtor rural.

 

Essas decisões sinalizam um posicionamento que se consolida nos Tribunais para que as alterações promovidas pelas “Leis do Agro” sejam de fato aplicadas aos casos concretos de insolvência, e convergem para maior segurança jurídica daqueles que financiam o agronegócio, especialmente no atual momento, em que o aumento expressivo de recuperações judiciais[4] fez surgir uma série de questionamentos quanto à correta aplicação das normas incidentes sobre a matéria.

 

Ainda que outras questões atinentes à recuperação judicial do produtor rural mereçam ser melhor equacionadas pelo judiciário, acreditamos que as recentes decisões foram proferidas em um momento crucial. Isso, pois, muito se fala em crise ou momento turbulento vivenciado no agronegócio, em grande parte resultado das recentes variações nos preços das commodities e inconstâncias climáticas que provocaram temores com relação ao resultado das safras a serem colhidas no presente ano. A situação, somada ao aumento do endividamento dos produtores rurais e ao aumento expressivo no número de pedidos de recuperação judicial tem causado apreensão de todo o mercado para os possíveis desdobramentos futuros com relação ao financiamento de produtores rurais.

 

Com esse cenário e, considerando as características específicas do agro, em que os financiamentos ocorrem com uma abrangência maior e de forma interligada entre todos os agentes da cadeia agroindustrial, o fomento ao crédito é primordial e riscos relacionados à concessão de crédito devem sempre ser analisados de forma sistêmica.

 

É nesse sentido que aumentam as recentes discussões em torno da recorrente utilização da recuperação judicial por produtores rurais, principalmente em relação a distorções interpretativas da legislação aplicável à matéria. A situação, inclusive, levou a uma reunião entre o MAPA – Ministério da Agricultura e Pecuária e o CNJ – Conselho Nacional de Justiça para o tratamento de iniciativas e melhores práticas a serem adotadas pelo Judiciário no enfrentamento e julgamento das matérias atinentes aos procedimentos de insolvência envolvendo produtores rurais.

 

Se, por um lado, decisões como as aqui retratadas apontam para um avanço na segurança jurídica de investidores e demais agentes que integram a cadeia agroindustrial, ainda é preciso avanço no enfretamento da crise do produtor rural. Muitas questões ainda permanecem controvertidas no judiciário e geram incerteza aos investidores e menos apetite para melhores e maiores investimentos, resultando em maior custo do capital, o que prejudica todo o setor.

 

Antônio Pimentel, Sócio do SMP Advogados, responsável pelas áreas de litígios, insolvência e agronegócio.

Mariana Rabelo, advogada associada do SMP Advogados.

 

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[1] GOIÂNIA. Tribunal de Justiça. TJGO. Agravo de Instrumento n.º 5816996-66.2023.8.09.0019. Relator: Marcus da Costa Ferreira. Data de julgamento: 4 de mar. de 2024, 5ª Câmara Cível, Goiás. Data de publicação: 4 de mar. de 2024. Disponível em: <https://pjd.tjgo.jus.br/Usuario?PaginaAtual=7&a1=721&a2=2&a3=&a4=&a5=&a7=492912&LoginPronto=S&hashFluxo=1715871524770>. Acesso em: 16 de maio de 2024.

[2] BRASÍLIA. Superior Tribunal de Justiça. Conflito de Competência n.º 202.928. Relator: Raul Araújo. Segunda Seção. Data de publicação: 27 de fev. de 2024. Disponível em: <https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=202400405224&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea>. Acesso em: 16 de maio de 2024.

[3] CUIABÁ. Tribunal de Justiça. TJMT. Agravo de Instrumento n.º 1001049-42.2024.8.11.0000. Relatora: Maria Helena Gargaglione Povoas. Data de julgamento: 29 de abr. de 2024, 2ª Câmara de Direito Privado, Mato Grosso. Data de publicação: 30 de abr. de 2024. Disponível em: <https://pje2.tjmt.jus.br/pje2/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/listView.seam?ca=80d38c06351babd324d332c97e1e4025d279e78943bf6aee>. Acesso em: 15 de maio de 2024.

[4] Produtores rurais que atuam como pessoa física acumulam 127 pedidos de recuperação judicial em 2023, revela Serasa Experian. Serasa Experian, 7 de mar. de 2024. Disponível em: <https://www.serasaexperian.com.br/sala-de-imprensa/agronegocios/produtores-rurais-que-atuam-como-pessoa-fisica-acumulam-127-pedidos-de-recuperacao-judicial-em-2023-revela-serasa-experian/>. Acesso em: 15 de maio de 2024.

 

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