O inadimplemento de um contrato administrativo pode resultar em punições severas para empresas contratadas.
O particular poderá ser punido por meio de sanções administrativas, como: (1) advertência; (2) multa; (3) impedimento de licitar com o órgão que aplicou a penalidade; e (4) declaração de inidoneidade, o que impede a participação em licitações públicas em todos os órgãos do Governo.
Sanções como o impedimento de licitar e a inidoneidade podem, muitas vezes, comprometer seriamente a saúde financeira das empresas, especialmente aquelas cuja fonte de receita depende de contratos com o setor público.
Por isso, é relevante analisar como a Nova Lei de Licitações (Lei 14.133/21) pode ser aplicada para reduzir ou até afastar as punições impostas com base na Lei 8.666/93, anteriormente em vigor.
As sanções administrativas estavam previstas nos artigos 86 e seguintes da revogada Lei 8.666/93, e agora são regulamentadas pelos artigos 155 e seguintes da Lei 14.133/21, a Nova Lei de Licitações.
Essas sanções são aplicadas após o devido processo administrativo sancionador, que possui caráter penaliforme, uma vez que as penalidades administrativas têm natureza punitiva.
Tais processos devem respeitar as mesmas garantias do direito penal, como o direito à retroatividade de lei mais benéfica, conforme assegurado pelo art. 5º, inciso XL, da Constituição e pelo art. 2º do Código Penal, que prevê que “a lei posterior que beneficiar o agente aplica-se aos fatos anteriores, mesmo quando decididos por sentença condenatória transitada em julgado”.
Portanto, quando a nova legislação for mais favorável ao particular, ela pode ser invocada para reduzir ou afastar a sanção aplicada anteriormente.
A revisão das penalidades é garantida também pelo art. 65 da Lei 9.784/99, que prevê a possibilidade de revisão de sanções sempre que surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes.
A jurisprudência e a doutrina confirmam esse entendimento.
Por exemplo, a respeitada Maria Sylvia Zanella Di Pietro afirma que a revisão do processo pode ocorrer se surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes, como a inovação legislativa ou a interpretação mais benéfica para o interessado[1].
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também já se manifestou a favor da retroatividade da lei mais benéfica, com a afirmação de que “a retroação da lei mais benéfica é um princípio geral do Direito Sancionatório […] a lei mais benéfica retroage. Isso porque, se até no caso de sanção penal, que é a mais grave das punições, a Lei Maior determina a retroação da lei mais benéfica, com razão é cabível a retroatividade da lei no caso de sanções menos graves, como a administrativa” (STJ. RESP n. 1153083/MT).
Alinhado a essa posição, o Instituto Brasileiro de Direito Administrativo, em conjunto com o Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo, publicou o Enunciado n. 111, consolidando a tese de que o regime jurídico das sanções previsto na Lei 14.133/2021 pode alterar as punições em contratos firmados sob a Lei 8.666/93, caso a nova legislação seja mais benéfica[2].
Portanto, com a entrada em vigor da Lei 14.133/21, surgiu a possibilidade de uma reavaliação das sanções administrativas.
A Nova Lei de Licitações especifica situações em que cada penalidade pode ser aplicada, levando em consideração o grau de reprovação da conduta, o que não ocorria de forma tão detalhada na Lei 8.666/93.
Por exemplo, o art. 156, §4º da NLLC estabelece que a pena de impedimento de licitar só será aplicada em casos de inexecução do contrato que cause grave dano à Administração Pública.
A Lei 8.666/93, por sua vez, não limitava a aplicação dessa penalidade a dano grave, tratando-a de maneira mais genérica.
Esse aprimoramento da nova legislação, que estabelece critérios mais objetivos para a aplicação de sanções administrativas, permite que, quando a punição for desproporcional à luz da nova legislação e da atual interpretação, ela seja revista ou afastada, especialmente em casos em que o dano causado não seja suficientemente grave para justificar a medida.
Sempre que uma sanção for considerada desproporcional ou inadequada à luz da nova legislação, o particular poderá requerer a revisão da penalidade. Esse requerimento deverá ser realizado por escrito e encaminhado à autoridade competente para análise da revisão da punição administrativa.
Em situações em que a penalidade seja capaz de causar danos graves ao particular, será possível solicitar a suspensão provisória das sanções até o julgamento definitivo do pedido de revisão.
A possibilidade de revisão das sanções, conforme a Nova Lei de Licitações (Lei 14.133/21), é uma ferramenta importante para garantir que as punições administrativas sejam aplicadas de maneira justa, levando em consideração a evolução da legislação e a proporcionalidade das penas no contexto do inadimplemento de contratos administrativos.
As mudanças introduzidas pela Lei 14.133/21 possibilitam uma revisão das sanções administrativas aplicadas com base na Lei 8.666/93, especialmente quando a nova legislação traz interpretações mais benéficas ao particular. Isso busca garantir maior justiça e equilíbrio na aplicação das punições, proporcionando a empresas e fornecedores a oportunidade de reverter penalidades excessivas ou inadequadas, contribuindo para a continuidade de sua participação em licitações públicas.
Caso você tenha interesse ou dúvidas sobre o assunto, nosso Escritório está à disposição.
Rafael Moura, sócio de SMP Advogado
[1] Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Limites da utilização de princípios do processo judicial no processo administrativo. Publicado na Revista do Tribunal de Contas do Estado do Estado do Rio de Janeiro. 2° semestre de 2013.
[2] IBDA. Enunciado n. 111. Aprovado na III Jornada de Direito Administrativo. Vitória/ES, 2024.
