A NLLC – Nova Lei de Licitações e Contratos (Lei Federal 14.133/2021), no seu artigo 165, §1º, II, prevê que os recursos para questionar decisões sobre a habilitação e as propostas de preços serão apresentados e julgados em “fase única”.
Portanto, os recursos serão apreciados somente após a decisão final que declarar vencedor o licitante mais bem colocado, com proposta e habilitação aceitas.
A sistemática da fase recursal única não existia na Lei Federal 8.666/1993. Em razão disso, diante do procedimento anterior à NLLC, que previa que a fase de habilitação antecederia a fase de propostas (art. 43), na legislação anterior a fase recursal era fracionada, ou seja, era necessário apresentar recursos contra o julgamento da habilitação e, depois, novo recurso do julgamento das propostas.
Isso resultava em licitações mais morosas, pois havia uma sucessão de decisões e recursos. Além disso, muitas vezes, diante de decisões desfavoráveis na fase de habilitação, os licitantes recorriam ao Poder Judiciário para rever a decisão na fase de qualificação, tornando mais tormentoso o certame.
O Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC (Lei Federal 12.462/2011), agora revogado pela NLLC, inovou em relação ao assunto, pois previa, no seu art. 27, o método da fase recursal única, mas no RDC há uma sutil e relevante diferença em relação à NLLC.
Diferentemente da Lei Federal 8.666/1993, no RDC (art. 12), como na NLLC (art. 17), o procedimento padrão da licitação prevê que em primeiro lugar serão oferecidos os lances e analisada a proposta do licitante mais bem colocado. Após isso, será analisada a habilitação do licitante mais bem colocado que teve sua proposta aceita, declarando, ao final, o vencedor devidamente habilitado.
Nos dois regimes jurídicos, existe a possibilidade de, motivadamente, inverter as fases, passando a fase de análise da habilitação a anteceder a fase de propostas, ou seja, em primeiro lugar serão analisados os documentos de qualificação de todos os licitantes e, após isso, ocorrerá a análise das propostas dos licitantes qualificados na fase anterior.
Diante dessa possibilidade de inversão de fases, no RDC, o artigo 27 previa expressamente que a fase recursal será única, “salvo no caso de inversão de fases”. Portanto, no caso de editais prevendo que a fase de habilitação antecederá a fase de propostas, a fase recursal seria fracionada, sendo apresentado recursos das decisões sobre a qualificação e, somente depois de julgados esses recursos, a licitação prosseguiria com a análise das propostas, como ocorria na Lei Federal 8.666/1993.
Isso não ocorreu na NLLC, pois o art. 165 não faz ressalva como se fez no RDC. A NLLC adota uma solução rígida e uniforme, segundo a qual os recursos somente serão julgados ao final, inclusive quando ocorrer a inversão de fases, ou seja, quando a habilitação antecede a fase de propostas.
Essa ausência de ressalva a respeito de recursos fracionados no caso de inversão de fases é capaz de criar situações danosas aos licitantes e a própria perda de eficiência e de recursos públicos.
Isso, porque, adotando o edital a inversão de fases, o licitante prejudicado com a sua inabilitação não poderia, segundo o art. 165, apresentar imediatamente o recurso. Com isso, o certame prosseguiria com os demais, que apresentariam suas propostas, dando publicidade às suas condições comerciais.
Somente após essa fase, com a declaração do vencedor, apresentaria o recurso aquele licitante que anteriormente foi inabilitado. Se for acolhido o recurso desse licitante prejudicado anteriormente, todos os demais atos da licitação precisarão ser anulados, pois não poderão ser aproveitados, uma vez que realizados sem a participação do licitante equivocadamente excluído na fase de habilitação.
Essa situação prejudicaria a isonomia, pois as condições comerciais dos concorrentes seriam previamente conhecidas por todos, reduzindo a competividade esperada. Além disso, seria altamente prejudicial a invalidação de diversos atos e análises já realizadas com recursos públicos, que simplesmente seriam inutilizados, não produzindo efeito algum. Diante disso, não seria inesperado a revogação da licitação, para que outra fosse realizada, onerando, assim, os cofres públicos.
Em razão de situações como essas, em que o prejuízo seria irreparável, tal circunstância estimularia a judicialização das decisões da fase de habilitação, retornando-se, assim, ao antigo e ineficiente quadro da Lei Federal 8.666/1993, tornando morosos os trâmites da licitação. Como adverte Marçal Justen Filho, “todos os licitantes inabilitados ou excluídos possivelmente recorrerão ao Poder Judiciário e terão grande probabilidade de sucesso em vista da perspectiva irrebatível de danos irreparáveis” [1].
Assim, seria recomendável uma adequação à legislação ou à sua interpretação para as situações envolvendo a inversão de fases, mas, na ausência de tais providências e estando o licitante diante de uma decisão evidentemente equivocada a respeito da sua inabilitação, poderá ele buscar uma medida judicial para corrigir a falha encontrada no ato que o inabilitou ou, com respaldo no direito constitucional de petição e na autotutela administrativa, solicitar a reconsideração da decisão junto ao agente público que praticou a decisão que inabilitou o licitante.
Rafael Moura, sócio de SMP Advogado
[1] Justen Filho, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. ed. 2021, São Paulo: Revista dos Tribunais, art. 165.
